O que é Psicossomática?

Pode-se pensar na psicossomática como uma síntese dialética no entendimento humano da doença. Desde os primórdios da humanidade a doença era entendida enquanto algo que acontece no homem. Incapaz de entender sua origem, curso e prognóstico o homem conduziu a doença ao domínio exclusivo do simbólico. A doença era a vontade dos deuses materializada, e o único meio de acesso a ela era o simbólico. Cantos, rezas e cultos eram as medidas eficazes para atuar nesse universo. Ainda hoje, esse entendimento subjaz na população, e encontramos, mesmo nas grandes metrópoles, curandeiros, rezadeiras, cultos de cura, novenas e outras formas de intervenção, nas religiões formais e informais, que atendem a expectativa da população de eficácia como tratamento de saúde.
A par desta visão simbólica da doença, a medicina se desenvolveu, inicialmente como forma de aumentar a eficácia das intervenções simbólicas. Substâncias, procedimentos e intervenções foram lentamente sendo depuradas, pela experimentação, criando um conjunto de conhecimentos que escapou do universo mágico. O tamanho e complexidade do conjunto de conhecimentos semiológicos tornaram necessária sua organização, tornando-se a medicina a primeira das profissões organizadas academicamente.
Confundidos, a semiologia dá lugar à etiologia, e criam-se entendimentos lógicos para a origem das doenças. Até hoje alguns conteúdos semânticos carregam explicações antigas, como em malaria, vocábulo do século XVI, para 'mau' e 'ar'. Acompanhando o desenvolvimento tecnológico a medicina passa a poder mapear a sintomatologia não mais somente com os sentidos, microscópios, testes químicos, mapeamentos genéticos levaram a compreensão do funcionamento do corpo longe do que sonhavam os primeiros curandeiros. Num processo antitético a doença sai do domínio simbólico e passa a ser um defeito em uma máquina bioquímica que pode ser analisado, explicado, e consertado com intervenções físicas e químicas cada vez mais pontuais e eficazes. A descaso do aprofundamento do entendimento médico científico, alguns doentes e doenças, no entanto, insistem em existir sem uma causa. Mais ainda, elas questionam o próprio entendimento do funcionamento corporal. Paralisias e parestesias temporárias e reversíveis chamaram a atenção de Freud neurologista para a existência, ou melhor, para a persistência do simbólico como origem para essas doenças. Não mais demônios e deuses se manifestando, mas a expressão de algo igualmente mítico, o inconsciente, que transcendendo a esfera do simbólico provoca expressões concretas no corpo do doente.
À medida que a psicanálise e outras linhas da psicologia clínica aprofundam seu entendimento percebeu-se que a ação dessa instância simbólica extrapolava as atuações comportamentais ou sensoriais, ela é capaz de provocar lesões efetivas nos órgãos do corpo. Cada vez mais a medicina dá-se conta dos componentes emocionais que acompanham as cardiopatias, alergias, biopatias, bem como nas disfunções do sistema imunológico.
O homem é um ser integrado em uma enorme teia de relações, tanja-se qualquer das cordas que compõem essa teia e toda ela repercutirá, de forma maior ou menor, em todas as suas relações, inclusive na sua relação com o próprio corpo, ou seja, com a sua saúde ou doença. Numa longa e penosa espiral, construiu-se a Psicossomática, a doença saiu do domínio exclusivamente simbólico, transitou pelo enfoque mecanicista, e somente agora começa a ser entendida como algo que se dá no homem como um todo, no seu aspecto físico, mas também no psicológico, bem como no familiar, social, cultural, profissional, etc.
Essa é a psicossomática: o esforço para apreender o funcionamento do homem e de suas relações; de construir intervenções eficazes na manutenção e recuperação da saúde; de produzir um novo paradigma de conhecimentos que permita diagnosticar e intervir em quadros físicos e emocionais sejam eles crônicos, reincidentes, cumulativos ou resistentes a tratamento, de forma a promover a saúde e a qualidade de vida.

Pierre Ferraz
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